quarta-feira, março 22, 2006

FHC na Veja

Vocês leram a reportagem e entrevista com FHC na Veja desta semana? Claro que há confetes, mas, ainda assim, temos que admitir que o homem não foi pouca coisa na história do Brasil. Posso afirmar, sem erro, que foi o primeiro governo respeitável que testemunhei por aqui. Não digo nem que foi bom, o simples fato de ter sido respeitável nos aspectos político, administrativo e econômico, já foi algo incrível na nossa história.

Sou jovem, lembro pouco de Figueiredo, por exemplo. Também não me interessa fazer uma retrospectiva histórica dos governos anteriores à redemocratização. Afinal, isto aqui é apenas um blog e não pretendo começar a levá-lo a sério. Mas, o fato é que, ainda garoto, já me interessava e muito por política e economia, assuntos que ganhavam de goleada do futebol na minha casa. Lembro em detalhes do noticiário sobre o governo Sarney e das nossas discussões sobre a hiper-inflação, o congelamento de preços e os planos econômicos. Lá em casa todo mundo tinha certeza que nada disso daria certo, e não deu mesmo.

Depois tivemos Collor, o mais xingado de todos. Mas pelo menos o nosso dinheiro ele não confiscou, conseguimos o desbloqueio das contas na Justiça. Coisa que quem não tinha meios '$' não pôde fazer. Lembro que muita gente foi à falência ou passou por necessidades, ocorreram até suicídios. Então veio o impeachment e assumiu "Devagar Franco", cujo grande mérito foi, justamente, escolher FHC para o Ministério da Fazenda.

Fernando Henrique operou o milagre de derrubar a inflação sem pirotecnia. Só isso já colocaria seu nome na história, mas ele fez mais, foi o primeiro governante a quebrar tabus e defender "heresias" como a responsabilidade fiscal. Sim, porque antes dele, havia a crença de que dinheiro surgia na relva, feito orvalho matinal, e que o Estado poderia gastar o quanto quisesse. (É assustador, mas muitos ainda pensam ou agem como se fosse assim!) Ele foi o primeiro presidente a admitir que o Estado estava inchado e fazer algo a respeito, promulgando a Lei de Responsabilidade Fiscal, realizando privatizações, etc. Conseguiu, ainda, renegociar a dívida pública, melhorando seu perfil e recuperando a credibilidade internacional do país.

Mas também cometeu erros, é claro. E o maior deles, apesar de tudo que iniciou, foi ter feito menos do que poderia fazer. Creio que ele poderia ter sido mais vigoroso na reforma da previdência ou promovido uma boa reforma tributária e trabalhista, por exemplo. Mas, ele mesmo se define como de esquerda, o que efetivamente é. Qualquer pessoa que tenha o mínimo de conhecimento e honestidade intelectual sabe que liberal ou neoliberal FHC nunca foi.

Aliás, algo que ele deixa claro na entrevista é seu pé atrás com o liberalismo, digamos, mais liberal. Confessa sua irritação com a desigualdade, que diz ser da essência do capitalismo. E esclarece que o Estado "pode introduzir um ingrediente adicional de correção". Bem, esta frase per si não diz nada, a maioria das pessoa é favorável à introdução de algum ingrediente de correção pelo Estado. Agora, conhecendo a prática e as tentativas de seu governo, sabemos que apoia algo próximo a alguma forma de social-democracia. Aqui, pode-se dizer que o homem passou tempo demais na França. Valendo o aviso de que, quem tenta manter um pé em cada canoa (socialismo e capitalismo), corre o risco de cair na água.

Um ponto engraçado foi quando, se referindo à política de juros do governo Lula, disse que "Política econômica não é ciência, é navegação. Você tem de navegar: se tem uma pedra no caminho, você contorna. A atual equipe econômica não navega - ela traça uma linha reta e segue em frente de todo jeito, como se não houvesse contexto mais ou menos favorável". Bem, até concordo com ele quanto à falta de flexibilidade da turma de Palocci, mas a metáfora também teria servido feito luva quando, por exemplo, FHC demorou demais a flexibilizar o câmbio, lembram?

De resto, gostei mesmo foi da lucidez de FHC ao definir o panorama político brasileiro, deixando claro que aqui não existe nem nunca existiu uma ideologia ou partido verdadeiramente de direita. São todos de esquerda, matizes diferentes sim, uns mais à esquerda outros mais à direita, mas todos dentro do espectro da esquerda. Os que se dizem ou são denominados direita no Brasil, na verdade são apenas aproveitadores dispostos a apoiar qualquer governo em troca de suas benesses.

Esse último ponto me fez pensar na importância de redefinir os conceitos políticos. Hoje direita e esquerda não significam concretamente nada e isso não é bom. Demonstra a falta de um diálogo racional e de posições fundamentadas na política brasileira. O que podemos esperar de um país que define seus rumos de forma tão superficial e inconseqüente?

1 Comments:

Blogger valter ferraz said...

Roger,estou aqui pela prima vez e resolvi dar meu pitaco. Não lí a Veja, mas acredito nas tuas palavras e FHC me desperta muito respeito. Sou/fui seu eleitor sempre e lamentei aquilo que ele não pode fazer, ele mesmo dizia que política é a arte do possível, contornar as pedras, dá no mesmo.Tive uma discussão lá ditoassim, com um membro do pt e sentí falta de um contraponto como o seu aí. Voltarei outras vezes e aparece p/tomar um café lá no perplexo,

abraço

24/3/06 18:26  

Postar um comentário

<< Home