Aprendendo a Nadar
Não lembro quantos anos eu tinha, talvez doze, talvez menos. Só sei que já havia conquistado o direito de sair sozinho de casa. "Mas só para lugares próximos e conhecidos", sempre frisava minha mãe. Sem problema. Por sorte, toda minha vida não ficava a mais que vinte minutos de caminhada mesmo. Assim podia ir sozinho para a escola, para as aulas de inglês, para o curso de datilografia (sim, na época ainda existia datilografia) e também para a natação. Tinha orgulho de toda essa independência, coisa que hoje sei, só foi possível, por morar numa cidade tranqüila.
O caminho para a natação era meu favorito, ficava numa rua cheia de árvores e casas de tijolos aparentes. Essa rua era sempre mais fresca que as outras, isso devido ao grande número de árvores enfileiradas que faziam sombra. Alí o vento soprava de maneira muito gostosa, balançando as árvores, espalhando folhas pelo chão e, melhor de tudo, bagunçando meu cabelo cortado em forma de tigela. Isso me fazia sorrir.
Considero que fui um garoto triste, tive meus motivos e preferia a solidão. Talvez, por isso, sentia tanto prazer em nadar. Afinal, éramos apenas a água e eu. Para completar, escolhia a dedo os dias e horários em que menos gente ia para a piscina. Freqüentemente não tinha ninguém lá, nem mesmo o instrutor que, sabendo como eu nadava bem, costumava me deixar à vontade.
Mas um dia notei que teria companhia. Uma ruivinha mais ou menos da minha idade, enfiada num maiô ridículo de babadinhos e listras coloridas, estava de cara amarrada no canto da parede. Era uma menina bonita, coisa que minha implicância só permitiu observar bem depois. Tinha a pele clara, olhos verdes, umas poucas sardas na bochecha e cabelo ruivo que descia em cachinhos até os ombros. Sua mãe, com certeza, queria fazer dela uma boneca. Por isso a menina estava sempre emburrada, afinal, qualquer "mocinha" de onze, doze anos, detestaria um maiô daqueles e teria raiva de usar cachinhos.
Não conversamos naquele dia, na verdade nem nos olhamos direito. De qualquer forma, era o fim do meu sossego, logo o instrutor chegou para acompanhar a nova aluna e, de quebra, também tive que fazer aula.
***
Achei que meu suplício seria passageiro, tinha esperanças de que ela desistisse, mudasse de horário, sei lá. Mas não, dia após dia ela sempre voltava. Eu chegava alguns minutos antes para ficar mergulhando, ou simplesmente boiando, e ela já estava lá. Conseguia chegar mais cedo que eu e ficava encostada na parede.
Depois de alguns dias ela começou a entrar na água comigo. Não falávamos nada, era cada um no seu canto. Mas, aos poucos, acabamos nos aproximando. Já nos olhávamos de frente, sorríamos de vez em quando e até dizíamos oi. Comecei a gostar dela. Até que não era má companhia: não falava quase nada, não fazia barulho e, principalmente, não tomava meu espaço. Sim, dá pra dizer que comecei a gostar dela, e a prestar mais atenção também.
Passada a fase da desconfiança, e acostumados com a presença um do outro, a aproximação física foi natural e veio junto com as brincadeiras. Ficávamos nos olhando embaixo d'água, mergulhando por entre as pernas um do outro e coisas bobinhas do tipo. Não sei direito como aconteceu, mas nossas brincadeiras se transformaram em delicadas carícias. Mãos dadas sob a água, olhares profundos seguidos de risadas, beijos roubados na bochecha. Brincadeiras que evoluíram de uma sensualidade inocente, para algo igualmente ingênuo, mas profundamente erótico. Descobrimos que tocar um ao outro era gostoso. A curiosidade nos fazia tatear e descobrir as diferenças. Sentir prazer.
Aqueles poucos minutos, absolutamente sós, antes da chegada do instrutor, tornaram-se eternos com seus carinhos proibidos. Eu já não ia mais para a natação, eu saía de casa era para estar com ela. Meus olhos não viam mais as belezas da rua que eu tanto gostava e o vento não me trazia mais alegria. Bela era a lembrança de nossos momentos e só a proximidade do reencontro me fazia sorrir.
Até que um dia ela não apareceu. Amanhã ela vem, pensei. Mas não veio. Nem no dia seguinte, nem a semana toda. Todos os dias eu ia para a piscina cheio de esperanças e ela nunca estava lá. Minha preocupação logo se transformou em desespero, precisava saber o que aconteceu. Tomei coragem, engolí meu orgulho, e perguntei para a atendente da portaria se a menina ruiva estava doente, tinha mudado de horário, ou o quê. "Ah, sim, a Bianca. O pai dela foi transferido, entã..." - não consegui ouvir mais nada. Fiquei surdo, mudo, pálido e imóvel. Meu coração disparado era o único indício de vida em mim.
Nesse dia eu não fui para a piscina, na verdade não voltei a nadar por uns dois anos.
O caminho para a natação era meu favorito, ficava numa rua cheia de árvores e casas de tijolos aparentes. Essa rua era sempre mais fresca que as outras, isso devido ao grande número de árvores enfileiradas que faziam sombra. Alí o vento soprava de maneira muito gostosa, balançando as árvores, espalhando folhas pelo chão e, melhor de tudo, bagunçando meu cabelo cortado em forma de tigela. Isso me fazia sorrir.
Considero que fui um garoto triste, tive meus motivos e preferia a solidão. Talvez, por isso, sentia tanto prazer em nadar. Afinal, éramos apenas a água e eu. Para completar, escolhia a dedo os dias e horários em que menos gente ia para a piscina. Freqüentemente não tinha ninguém lá, nem mesmo o instrutor que, sabendo como eu nadava bem, costumava me deixar à vontade.
Mas um dia notei que teria companhia. Uma ruivinha mais ou menos da minha idade, enfiada num maiô ridículo de babadinhos e listras coloridas, estava de cara amarrada no canto da parede. Era uma menina bonita, coisa que minha implicância só permitiu observar bem depois. Tinha a pele clara, olhos verdes, umas poucas sardas na bochecha e cabelo ruivo que descia em cachinhos até os ombros. Sua mãe, com certeza, queria fazer dela uma boneca. Por isso a menina estava sempre emburrada, afinal, qualquer "mocinha" de onze, doze anos, detestaria um maiô daqueles e teria raiva de usar cachinhos.
Não conversamos naquele dia, na verdade nem nos olhamos direito. De qualquer forma, era o fim do meu sossego, logo o instrutor chegou para acompanhar a nova aluna e, de quebra, também tive que fazer aula.
***
Achei que meu suplício seria passageiro, tinha esperanças de que ela desistisse, mudasse de horário, sei lá. Mas não, dia após dia ela sempre voltava. Eu chegava alguns minutos antes para ficar mergulhando, ou simplesmente boiando, e ela já estava lá. Conseguia chegar mais cedo que eu e ficava encostada na parede.
Depois de alguns dias ela começou a entrar na água comigo. Não falávamos nada, era cada um no seu canto. Mas, aos poucos, acabamos nos aproximando. Já nos olhávamos de frente, sorríamos de vez em quando e até dizíamos oi. Comecei a gostar dela. Até que não era má companhia: não falava quase nada, não fazia barulho e, principalmente, não tomava meu espaço. Sim, dá pra dizer que comecei a gostar dela, e a prestar mais atenção também.
Passada a fase da desconfiança, e acostumados com a presença um do outro, a aproximação física foi natural e veio junto com as brincadeiras. Ficávamos nos olhando embaixo d'água, mergulhando por entre as pernas um do outro e coisas bobinhas do tipo. Não sei direito como aconteceu, mas nossas brincadeiras se transformaram em delicadas carícias. Mãos dadas sob a água, olhares profundos seguidos de risadas, beijos roubados na bochecha. Brincadeiras que evoluíram de uma sensualidade inocente, para algo igualmente ingênuo, mas profundamente erótico. Descobrimos que tocar um ao outro era gostoso. A curiosidade nos fazia tatear e descobrir as diferenças. Sentir prazer.
Aqueles poucos minutos, absolutamente sós, antes da chegada do instrutor, tornaram-se eternos com seus carinhos proibidos. Eu já não ia mais para a natação, eu saía de casa era para estar com ela. Meus olhos não viam mais as belezas da rua que eu tanto gostava e o vento não me trazia mais alegria. Bela era a lembrança de nossos momentos e só a proximidade do reencontro me fazia sorrir.
Até que um dia ela não apareceu. Amanhã ela vem, pensei. Mas não veio. Nem no dia seguinte, nem a semana toda. Todos os dias eu ia para a piscina cheio de esperanças e ela nunca estava lá. Minha preocupação logo se transformou em desespero, precisava saber o que aconteceu. Tomei coragem, engolí meu orgulho, e perguntei para a atendente da portaria se a menina ruiva estava doente, tinha mudado de horário, ou o quê. "Ah, sim, a Bianca. O pai dela foi transferido, entã..." - não consegui ouvir mais nada. Fiquei surdo, mudo, pálido e imóvel. Meu coração disparado era o único indício de vida em mim.
Nesse dia eu não fui para a piscina, na verdade não voltei a nadar por uns dois anos.
2 Comments:
A coisa foi séria mesmo, hein! Bonito texto Roger. Podemos inclui-lo na rúbrica "o primeiro amor a gente nunca esquece"?
Obrigado, Wilson. Não foi o primeiro amor não, antes teve uma libanesa e uma japonesinha (dá pra notar que sempre gostei de mulheres exóticas), mas estes eram amores totalmente infantis. A ruivinha marcou a transição, um pé no infância e outro na adolescência. Uma paixão ainda lúdica, mas com nuances de sensualidade.
Postar um comentário
<< Home