sexta-feira, dezembro 09, 2005

Direita ou Esquerda?

Ontem, no blog do Smart, tivemos um daqueles intermináveis quebra-paus sobre direita e esquerda. Fazia tempo que eu não me divertia tanto com uma briga em caixa de comentários, mas ontem eu ri um bocado. Alex Castro disse que os antigos professores de OSPB e Moral e Cívica eram de esquerda, então retrucaram dizendo que, como essas matérias foram criadas pra defender idéias caras ao regime militar, os professores seriam de direita. Foi quando eu disse que a ditadura tinha sido, na verdade, um regime de esquerda. Aí as pedras começaram a voar.

Dando Nome Aos Bois

Nada pior do que discução entre surdos, todos gritam e ninguém entende nada. Muitas vezes estão até dizendo a mesma coisa e não se dão conta. O mesmo acontece quando as pessoas dão significados diferentes aos mesmos termos. Coisa muito comum em discuções inter-disciplinares. Você fica repetindo manga, se referindo à fruta, e o sujeito fica olhando pra manga da camisa sem entender nada.

Assim, convido vocês a definirem o que consideram ser direita e esquerda. Listem suas semelhanças, diferenças e os porquês. Principalmente, busquem a essência, o ponto principal que faria com que estivessem em lados opostos. Depois, saiam por aí enquadrando o mundo e as pessoas nas definições que criaram.

Nesse pequeno exercício, independente das definições que vocês mesmos deram aos termos, descobrirão que nem tudo que achavam ser de esquerda ou direita realmente é. Verão, ainda, que muitas ideologias e pessoas têm, ao mesmo tempo, posições de direita ou esquerda dependendo da situação ou tema abordado.

Minha Visão de Mundo

Para mim, o grande conflito humano sempre se dá entre interesses individuais e coletivos. Evolutivamente falando, seria o instinto de sobrevivência x instinto de preservação da espécie. Trazendo isso para a vida em sociedade, nada mais é do que meu bem estar x bem comum.

A vida em sociedade só é possível com a supressão de algumas liberdades individuais em prol de manter a coletividade. Entretanto, nós só nos submetemos a isso, porque temos em mente que a civilização pode nos oferecer outras vantagens em substituição às perdidas. Grosso modo, essas vantagens seriam segurança e conforto.

Assim, a história da humanidade é feita de gente buscando seus interesses particulares, mas, ao mesmo tempo, tentando não foder com a sociedade. O que muda são apenas os conceitos de bem estar individual e coletivo defendidos por cada pessoa ou sociedade. Agora, só doido varrido sobrepõe totalmente os interesses coletivos aos seus próprios interesses. E, da mesma forma, só maluco ou canalha, diz um completo dane-se pra sociedade.

Assim, como temos de um lado interesses coletivos e, de outro, interesses individuais, é preciso criar uma convenção. Temos que escolher uma palavra pra definir quando estamos mais voltados para um deles. Tanto direita quanto esquerda, costumam concordar que a primeira privilegia o individualismo e a segunda o coletivismo. Vamos então adotar essas convenções, que são unânimes, e ver o que acontece.

A Direita

A direita privilegia o indivíduo, seus valores fundamentais são liberdade e bem estar pessoal. Sendo, em princípio, contra tudo que limite as liberdades individuais e econômicas.

Considerando que o Estado só existe como instrumento de força para, retirando liberdades, regulamentar a sociedade, a direita é a favor do estado mínimo. Não nega a necessidade de abrir mão de liberdades para manter a sociedade, mas não acredita que a retirada à força de uma grande parcela dessas liberdades e bem estar individual consiga, de fato, promover benefícios na busca do "bem comum". O máximo respeito à liberdade individual traria, no fim das contas, mais vantagens coletivas do que qualquer idéia imposta sobre o que seria bom para todos.

A direita considera que a proposta de sobrepor, de forma ampla, os interesses coletivos aos individuais, além de não funcionar na prática, só piora as coisas. Nunca atinge os fins a que se propõe e só causa mais prejuízo para todos, inclusive para os pobres e desfavorecidos que pretendia ajudar.

A Esquerda

Esta privilegia o coletivo, considera o bem comum, via de regra, mais importante que o individual. Assim, como não poderia deixar de ser, é preciso definir o que seria esse "bem comum". Uma trabalheira danada, coisa impossível de definir já que cada um pensa de um jeito e ninguém sabe tudo.

Quando, de alguma forma, alguém chega a uma definição de bem comum, o único jeito de fazer valer isso é pela força. Claro, se cada um pensa de um jeito, quem é que vai aceitar livremente o que alguns acham ser melhor pra ele? Assim começa o inferno.

Se o monopólio da força pertence ao Estado, a esquerda é sua maior amiga. Precisa do Estado e da força para fazer valer sua visão de bem comum. Assim, a máquina estatal nos governos de esquerda é sempre grande, cara e ineficiente. Isso quando, nessa busca utópica da sociedade perfeita, e tentando regulamentar tudo conforme suas convicções, os governos de esquerda não chegam ao extremo de suprimir quase totalmente as liberdades individuais e econômicas.

Para eles, a proposta da direita conduz a uma desigualdade entre pessoas, o que consideram injusto. Entretanto, a esquerda peca ao defender um conceito de justiça que, muitas vezes, não leva em conta o mérito.

A Confusão Gerada Pelas Definições

Boa parte das discuções sobre direita e esquerda ocorrem porque as pessoas diferenciam liberdades individuais de liberdades econômicas. Até o Political Compass considera os termos direita e esquerda aplicáveis apenas às questões econômicas, traçando outra reta para autoritarismo e liberalismo no que tange às liberdades individuais. Assim, existiriam direita autoritária e direita liberal, esquerda autoritária e esquerda liberal.


Esse plano cartesiano é bem útil na prática, pois, como eu disse, as mesmas pessoas tem posições de direita ou esquerda em situações diversas. A forma mais nítida de identificar essa cisão é quando as pessoas divergem sobre liberdades individuais e liberdades economicas. Justamente o que Political Compass pretende avaliar.

Só que o Political Compass acaba sendo "politicamente-correto" ao fugir da essência das coisas. Se o que interessa é o embate entre individualismo e coletivismo, isso se aplica tanto às liberdades econômicas quanto às liberdades individuais. Em quaisquer dos casos, são sempre os interesses do indivíduo contra os interesses da coletividade.

Assim, caso se queira uma única definição que privilegie de maneira ampla e geral todos os aspectos do embate individualismo x coletivismo, é preciso traçar uma reta simples. Coloque de um lado coletivismo-autoritarismo-esquerda e, de outro lado, o individualismo-liberalismo-direita (se os termos te ofendem de alguma forma, mude-os. Isso não interessa desde que não se perca de vista a essência da coisa. Não importa o termo utilizado, o importante é que seu significado não seja deturpado pela coexistência forçada de idéias contraditórias).

Esquerda --------------------o-------------------- Direita

Somente considerando ao mesmo tempo, questões de liberdade individual e liberdade econômica, seria possível definir uma pessoa através de um único termo: direita ou esquerda. Só que todo mundo quer fazer isso do jeito políticamente correto... Querem usar uma única palavra pra definir alguém como direita ou esquerda, mas sem entrar na questão de que individualismo e liberdade se opõe, intrínsecamente, a coletivismo e autoridade. Dessa forma, acabam obrigando idéias inconciliáveis em sua essência a viverem juntas. Criam "autoritários de direita" e "liberais de esquerda". Melhor seria chamá-los de incoerentes.

É por isso que vemos pessoas que são fortemente contra liberdades individuais se acharem de direita, elas dizem isso só porque acreditam em liberdade econômica. Não vejo como ser coerente com a defesa do indivíduo, separando liberdades entre melhores e piores. Da mesma forma, vemos gente que acredita profundamente em liberdades individuais dizer que é de esquerda! Como?, já que a supremacia do interesse coletivo pressupõe inibir liberdades individuais.

Aí vem meu leitor e diz que, assim, eu demonizo a esquerda e favoreço a direita. Mais ou menos. Eu, na verdade, demonizo os extremos, e digo que o ponto certo não está no "zero" do gráfico (que, pra mim, simboliza forças que se anulam e imobilismo prático), mas, sim, em estar moderadamente à direita da reta. Ou seja, privilegiar seus próprios interesses individuais, colocando-os em primeiro lugar, mas, sem esquecer que a vida em sociedade, só se faz possível quando abrimos mão de parte de nossas vantagens e liberdades. Sacrifício que, aliás, não fazemos gratuitamente, mas para auferir outras vantagens como a segurança e os confortos da civilização.

De qualquer forma o political compass é válido. Isso desde que tenhamos em mente que "autoritários de direita" e "liberais de esquerda" apresentam grandes incoerências. Aplicam dois pesos e duas medidas para algo que, na essência, não comporta avaliações radicalmente opostas. Liberdades individuais e liberdades econômicas não podem ser tão separadas entre si.

Estado e Governo

Os objetivos de todo Estado, estando certos ou errados, são a priori coletivistas. Afinal, ele existe justamente pra isso, não é? Para organizar a sociedade.

Já os governos, nunca são puramente de direita ou esquerda, pois, o radicalismo rumo a um dos lados é insustentável na prática. Uma esquerda radical morreria em nome do bem comum, enquanto, uma direita radical, seria morta pelo mundo num ato de legítima defesa.

Mas, considerando que o Estado que não busca o coletivo deturpa sua razão de ser, vemos que governo de direita só pode ser aquele que, mesmo buscando o bem comum, se contenta ou atinge a sabedoria de interferir o mínimo necessário na individualidade. Seria o equilíbrio entre a função do Estado e o respeito ao indivíduo.

Já, governo de esquerda, é aquele que privilegia uma idéia de bem comum (não interessa qual idéia), em prejuízo da individualidade. Ponto.

Não é errado dizer que, como o Estado, em seus objetivos e estrutura intrínseca, é naturalmente de esquerda, todo governo deveria ser de direita para contrabalancear. Agora, se o governo de direita deturpar os objetivos do Estado, ou se o Estado for governado com idéias puramente de esquerda... Sempre haverá problemas.

Se toda estrutura estatal é naturalmente autoritária de esquerda, os diversos graus de autoritarismo do Estado vão depender de quem ocupa o governo, daí a importância dos governos serem liberais de direita.

Brincando de Apontar o Dedo

Se conseguiu ler esse texto enorme e chato até aqui, você é um herói. Meus parabéns. Seu prêmio agora é brincar de "apontar o dedo". Vamos citar algumas personalidades e governos e dizer se são de direita ou esquerda. Lembrando que o comum é ocorrerem variações nos dois aspectos (liberdades individuais e liberdades econômicas), criando, assim, "autoritários de esquerda", "liberais de direita" e os incoerentes "autoritários de direita" e "liberais de esquerda".

Bush: Se diz de direita, é visto como direita, mas é um grande autoritário. Apoia a supressão de liberdades individuais e tende a impor sua visão de mundo. Acredita em liberdade econômica, mas estourou o déficit público e ampliou a influência do Estado. Vemos que a defesa das liberdades individuais não é exatamente seu forte, portando trata-se de um autoritário. Quanto à defesa das liberdades econômicas, apesar das enormes derrapadas esquerdistas, ainda o coloco como direita. Autoritário de Direita.

Lula: Se diz de esquerda, é tido como esquerda, mas não avançou em políticas sociais. Apóia cotas em universidades, defende os direitos das minorias, etc. Seu único mérito é tentar manter uma responsabilidade fiscal capenga, já que não saneou a estrutura do Estado para permitir corte de gastos. Liberal de Esquerda.

Ditaduras Latino-Americanas: Estado grande na busca de uma visão de bem comum, gastos elevados, intervenções contra a liberdade econômica e supressão das liberdades individuais. Autoritários de Esquerda, sem dúvida.

Estados Nazi-Fascistas: Estado grande na busca de uma visão de bem comum, gastos elevados, intervenções contra a liberdade econômica e supressão das liberdades individuais. Lembrando, ainda, que nazismo significa "nacional-socialismo". Precisa dizer? Autoritários de Esquerda, num nível mais radical do que as ditaduras latino-americanas.

Estados Comunistas: Estado grande na busca de uma visão de bem comum, gastos elevados, intervenções contra a liberdade econômica e supressão das liberdades individuais. Tendo atingido o mais elevado nível de violência contra as liberdades, os comunistas chegaram ao topo do que conhecemos como Autoritarismo de Esquerda, superando os nazi-fascistas.

A diferença entre nazi-fascistas e comunistas é que, os primeiros, não aboliram totalmente a propriedade privada e permitiam mais liberdades individuais do que os comunistas. No Estado nazi-fascista, era possível ser cristão, por exemplo. Quanto às atrocidades cometidas contra a humanidade, ambos prenderam, torturaram e assassinaram pessoas de forma bárbara.

Conclusão

Após toda essa argumentação, fica claro que defendo tanto as liberdades individuais como as econômicas. Assim, a única postura coerente, é me definir como um liberal de direita.

Entretanto, quem me conhece, sabe que detesto assumir rótulos. Não por falta de coragem, mas porque essa grande confusão de conceitos torna qualquer rótulo inútil. Ninguém entende realmente o que você está querendo dizer quando se define como direita, esquerda, liberal ou conservador. Até quem assume um rótulo não consegue entendê-lo totalmente. Inclusive eu.

Enfim, uma canseira discutir política e economia.

Aviso: Utilizei o gráfico do political compass apenas para fins de ilustração. As opiniões aqui expressas não refletem o pensamento deles, nem se relacionam ao teste aplicado por eles.

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Recebeste que nota nesta tua tese de doutorado??? O mundo precisa saber disso!!! Há tanta confusão conceitual por aí... Quando lançarás teu livro??? E em quantas línguas será traduzido??? Corra, não perca tempo: a humanidade agradecerá por tamanha sabedoria!!!

9/12/05 18:40  
Anonymous Anônimo said...

Post comprido mas muito bom. Concordo com suas classificações, e com a sua opinião que o melhor e não ficar muito afastado do centro do espectro político. Apenas, no meu entender, acho que no caso de países como o Brasil, onde as diferenças sócio-econômicas ainda são muito grandes (enormes, eu diria), o posicionamento ideal seria um pouco a esquerda.

Abraços

12/12/05 15:37  
Blogger Roger said...

Eu falo demais, eu sei...

12/12/05 18:30  
Blogger Gisela Lacerda said...

Valeu a pena ficar até o fim. Li ontem e gostei.

14/12/05 22:34  
Anonymous Anônimo said...

Gostei do texto, mas faço uma observação: Não é por acaso que a direita defende as liberdades individuais. Ela é conservadora por essência. Sob a ótica individualista, nada mais natural do que lutar por aquilo que o indivíduo considera como seu. Se isto fere o direito e o bem-estar coletivo é outra coisa...na prática, vejo o posicionamento da esquerda como uma luta para impor (ou conquistar, se preferir) uma mudança. Mas que vai resultar num novo grupo de poder que busca manter os seus direitos individuais. Não me lembro agora de quem é a frase, mas ela me agrada muito: "não existe nada mais reacionário do que um progressista no poder"

16/12/05 10:20  

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